quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Bem, mal. Adeus.

Sem querer, aspirei-lhe a tristeza. Cuspi, tossi, chorei, gritei pra descartar. Não consegui. Engoli-a afim de defecar. Não digeri. Permaneceu ali. Um bolo estomacal que queimava mais que o sol de meio-dia no verão do inferno. Ficou. Tornou-se parte de mim. Uma parte que não parte, nem se desfaz. A parte.

A parte mais suja e imprópria que alguém podia ter. Era dor de alma. Logo depois tornou-se dor corpórea, sintomática, plausível. Era inflamação, alergia, dor de ouvido. Era tudo ao mesmo tempo. Fui ao clínico geral, ao ginecologista, ao terapeuta,  à rezadeira, ao Centro Espírita. Tomei todos os remédios recomendados. Fiz todos os procedimentos.

Cada acordar era uma nova agonia, muito mais incômoda que a do dia anterior. Emagrecia, não conseguia dormir. No pouco que cochilava, tinha pesadelos. Eram pesadelos inimagináveis. Inescrupulosos. Verdadeiramente amorais. Desejou não mais acordar. Queria dormir profundamente. Queria não mais abrir os olhos. Era um inferno em vida. O desconforto em vida.

Tornei-me tudo o que não queria ser: frágil, triste, cansada. Sugaram-me as energias. A cada novo dia, uma nova mazela. Quando já não existia mais o que aparecer, eis que chegou ela. Chegou para uma visita. Foi adentrando a residência humilde com aqueles olhos de ressaca, aquela energia outrora roubada quem não merecia. Entreolharam-se. O bem jamais venceria o mal.

Naquele dia, todavia, o bem roubado foi transformado na mais pura representação maléfica. O bem do sorriso e da vida convertido em impureza. Foi o adeus. O adeus de quem não tinha mais forças. De quem cansou. De quem lutou contra o que não tinha como não ser.

Tinha sido, não teria mais como mudar.
Fechou os olhos ali.
Uma lágrima caiu.

Só,
partiu.

terça-feira, 4 de junho de 2013

O paradoxo do viver



Devia
Chorar, mas não chorou
Protestar, mas não protestou
Falar, mas não falou
Sorrir, mas não sorriu

Devia muito,
pagou pouco
vivia nada.

Por ele, choravam
Por ele, protestavam
Por ele, falavam
Por ele, sorriram.
Só não viveram

Tentaram. Falharam.
Pra ser, só o dono de si.
Pra ser,
só EU,
meu ego,
meus medos.

Pra ser...
SER!
(eu)
Seja!

domingo, 20 de janeiro de 2013

Cronos, tempo e 2013.

Era ela, a aspirante a escritora. A escritora dos momentos de desabafo. Sentava na dura cadeira de madeira, lia alguns textos diversos, esvaía aquela breve inspiração e desistia. Precisava de bem mais que inspiração. Precisava de fatos, de gente, de sentimento, vida pra transformar tudo em um misto de palavras. Era quase um diário da menina. Digo, da pseudoescritora. O que não permite que os críticos ferrenhos digam que não há vida, ou verdade. Porque ela é toda verdade, toda vida, toda movimento, encanto, marcação.

Precisava de um start pra iniciar a sessão de textos do novo ano. E a melhor forma de iniciar escrevendo em um novo ano, é falando sobre ele, claro. Teste, início, formas... chegaram! Um dos encantadores da menina aspirante a escritora forneceu a matéria-prima pra brincadeira de palavras que ela queria elaborar. Era um texto sobre 2013. Aquele texto. O texto. Um ótimo texto. E ela então fez um, que era assim:

"Sem saber o que falar, não posso me dar ao luxo de não desejar um belíssimo ano aos meus companheiros fiéis. Andam dizendo por aí que 2013 será um bom ano. Concordo. Que será um ótimo ano. Concordo. Disseram que será o melhor ano. Discordo.

"O melhor ano da sua vida será 2013", ouviu de longe 2014, que contou para 2015, que repassou a informação pra 2016. Os três próximos anos ouviram e foram reclamar com as autoridades competentes (seriam os maias, talvez?). Chegaram, pegaram a senha e ficaram discutindo na sala de espera a pretensão de 2013. Se fosse 2013 o melhor ano de todos, era melhor que os próximos nem chegassem, porque 7 bilhões de pessoas iriam se lamentar pelo resto de suas vidas por não terem mais ótimos anos como aquele.

Chamaram a senha de número 13 e lá se foram os três anos revoltados, na ordem crescente. Chegaram na sala do Senhor Cronos, coincidentemente (ou não) o mesmo nome do deus do tempo da mitologia grega. Explicaram a situação, Cronos ouviu atentamente e silenciou. Os anos também calaram-se. O ruído calado incomodava aqueles elementos temporais todos.

Cronos levantou-se, acendeu um cigarro, olhou a vista da janela. Achou normal. Voltou-se para os três anos ali, revoltados. Apoiou seu cigarro no cinzeiro, desligou as luzes e ligou o datashow. Logo no começo apareceu o calendário maia. Perguntou aos presentes:
- Sabem o que é isso?
- Claro - responderam em coro.

No próximo slide, os anos 2000 aparecem com a ilustração das panes nos sistemas informatizados. Cronos questiona:
- Reconhecem?
E eles responderam afirmativamente.

Cronos acelerou a velocidade de apresentação dos slides e mostrou, em sequência, o efeito Júpiter de 1974, a Ruptura de maio de 2011 e o Armagedon de 1914. Tragou mais uma vez seu cigarro, pousou-o no lugar apropriado, voltou-se para 2014, 2015 e 2016 e disse:
- E então?

2014 disse, meio envergonhado, que achava não ter compreendido o que o responsável pelos tempos tentou transmitir.

Cronos sorriu e afirmou, conclusivamente, que estavam todos ali, discutindo acerca de um novo ano que iria acontecer de várias formas para várias pessoas. Podia ser que alguns aguardassem o fim, que outros alcançassem objetivos, que muitos iniciassem de forma otimista ou pessimista. Sonhos se realizariam em 2013, tragédias também. E assim seria em 2014, em 2015, em 2067. Porque não adiantaria os tempos se preocuparem, os personagens principais são humanos. Ou desumanos.

Os três anos subsequentes agradeceram a explicação de Cronos e deixaram a sala. Se olharam, sorriram. E perceberam que 2013 deixaria espaço e bons acontecimentos para todos os outros. Porque a vida é assim: expectativa, indecisão, decisão, sorte, amor, azar, companheirismo ou a falta dele, independentemente de quatro algarismos."

Assim sendo, a escritorazinha terminou. E esperou muito do 2013 dela, que, aliás, havia começado muitíssimo bem. E levava consigo muita esperança, amor, sonhos, alegrias pra viver aquele ano. E todos os outros. Queria tudo de bom pra quem amava, pra quem a fez se sentir bem nos anos anteriores e para quem ainda iria aparecer e colorir com diferentes motivos tudo aquilo.


[Meus amores, talvez eu seja uma péssima escritora. Mas tenho a certeza de que muitos de vocês são meus motivos. Obrigada!]

domingo, 18 de novembro de 2012

Chinês ou italiano?

- Oi.
- Oi, tudo bem?
- Bem. Meu nome é Vítor.
- O meu é Catarina, prazer.
- Prazer, Catarina.

Pronto. A amiga do lado já foi logo dizendo que não era pra fazer assim. Que a gente tinha que dar dois beijinhos no rosto quando conhecesse ou encontrasse uma pessoa. Não era dizer oi e o nome. Não era assim.

Daí a Catarina pensou: porra, eu nem conheço. COMO QUE EU VOU SAIR BEIJANDO QUEM EU NÃO CONHEÇO?

- É educação, Catarina. Você não sabe disso? É educação.

Ok. Catarina nunca tinha se achado a mais educada das pós-adolescentes. Talvez fosse a hora de mudar. 

No outro dia conheceu Manoel. E Mariana, a amiga altamente educada estava do lado de novo.

- Oi.
- Oláá, tudo beeem? (dois beijinhos no rosto)
- Bem.
- Meu nome é Catarina. E o seu?
- Manoel, é Manoel. 
- Prazer, Manoel! 
- É, prazer.

Daí ele virou as costas e a Mariana foi logo falando de novo: 
- Catarina, você quase abusou sexualmente do menino. A gente não sai agarrando as pessoas assim sem conhecer. Ele tem namorada. A namorada dele é a Lúcia.
- Puta merda! Mas não era pra beijar quando conhecesse?
- Mais ou menos, mas não assim. Depende. Depende do menino, se é solteiro, se é extrovertido... a gente não sai assim beijando por aí!

A protagonista das cenas de conhecer rapazes ficou confusa. Era hora de mudar, mas tudo dependia.

A roupa de ir pra festa dependia da festa. Não podia ser muito brilhosa pro churrasco, muito vulgar pro casamento, muito colorida pro show de rock, nem muito arrumada pra faculdade. E não podia ser muito diferente de todo mundo, claro. A razão disso é que ali era a sociedade dos pós-adolescentes equivalentes. Nada de rodízios de massas quando a moda fosse restaurante chinês. Nada de ir pro paintball quando o bacana fosse o futebol de sabão. Nada de twitter, agora a onda era tumblr. E ainda faltava aprender a andar de salto alto, a usar maquiagem, beber até cair, ficar gorda pra reclamar de ser gorda, fazer dietas, ser depressiva, doente, alienada.

Catarina viu que muitos conseguiam. Eram os jovens vencedores da massa dos equivalentes.

Daí ela olhou pro lado. Olhou pro terceiro menino que devia cumprimentar. Olhou pra Mariana.
E passou reto.

Preferia mesmo ser uma perdedora. Uma perdedora de óculos, livro de francês na bolsa e havaianas indo pro rodízio de pizza.


[Prazer, eu sou quase uma Catarina.]

domingo, 26 de agosto de 2012

Com vivência ou Sem vivência?

Andei refletindo esses últimos dias sobre convivência. Com vivência. Vivência. Pensando em conviver, pensamos logo nos outros. E quem são os outros senão um reflexo de parte de nós mesmos? Viver com outros é fácil. Se esconder na sombra alheia, nas virtudes e nos defeitos do seu amigo é bom. Difícil mesmo  é não ter sombras pra te acobertar.

Fácil é sorrir no bar, na aula e fazendo compras. Difícil é chegar em casa e não ter cúmplice algum. A convivência consigo mesmo é complicada, chegando até mesmo a ser insuportável. Ali não há artifícios pra encantar olhares e ouvidos alheios. Porque os olhos que te acompanham te enxergam por dentro e por fora. Te enxergam através da pele, dos ossos, dos órgãos.

Ou você aceita o que vê ou muda. Revoluciona, solta as correntes. Quebrar correntes é fácil. Difícil é saber conviver com a liberdade que a quebra te trará. Correntes quebradas: trancá-las de novo ou soltar todas?


domingo, 17 de junho de 2012

É, você sabe.

Eu sei que você sabe.

Eu sei que você sabe mais que todo mundo. É quem sempre sabe, tem certeza. 
Olha e vê, vê e adivinha. E acha.


Você sabe que isso é dor, dó, ré, mi, fá, sol, lá, si no ouvido dela. São todas as notas musicais misturadas. 
Que a dor seja de alegria, como as dores de barriga e a falta de ar de quando a gente morre de rir.
Que a não seja pra ela. Que a dó seja de quem não tem ela por perto. E nem você.
Que a seja pra voltar e olhar mais uma vez quem te dá força. Que seja pra repetir o que ficou guardado como inesquecivelmente bom.
Que o mi seja uma mistura de minha e de mico.
Que seja irmã da fé e da verdade.
Que o sol seja quem dá o brilho que ilumina os dois.
Que o seja o lá longe ou o lá na esquina, ou o lá na sala em frente a TV.


Chega de descer ladeira abaixo. Talvez seja a hora da subida. Da escalada, se for uma montanha.  De levantar voo se for pra muito longe.

É hora de ir. 

Todos podem. Você não. Não mais.
Mas ora, quem disse? 

Já é hora. E é agora.

domingo, 1 de janeiro de 2012

A Bruxa, o médico e os Correios.

Acabei de fechar o livro. Quantas palavras bonitas, quantas ideias e conselhos proveitosos. Tudo começou quando peguei aquele embrulho, dentro de um envelope dos Correios, que eu já sabia que era especial. Fui abrindo assim aflita, na expectativa do teor das palavras que haveria ali. Quando, enfim, encontrei o papel de presente, abri um sorriso. Um papel de presente diferente, que não me deixou identificar em qual livraria teria sido comprado. Abri cuidadosamente, retirando as fitas adesivas enormes que o lacrava. Vi que tinha algo escrito ali na parte de dentro do papel de presente, aquela em branco. Não entendi aquilo, nunca havia visto presente revestido com embrulho escrito dos dois lados. Fui então usando o triplo do cuidado de antes, para não perder o que estava escrito ali. Abri e havia dicas, palavras soltas, cores, cuidado, interesse em montar toda aquela pintura meio destoada.


Não era simplesmente um livro. Era uma tentativa de me mudar, percebi logo no início. Foi uma tentativa de me fazer melhor, crescer, aproveitar mais o que está a minha volta. Agradeci o presente.


Terminei a leitura que, de fato, me fez refletir. Talvez eu consiga ser melhor, talvez a Bruxa me tenha deixado algum ensinamento. Mas mudanças doem, implicam em sacrifícios profundos. E sei bem disso. Valeu a tentativa, valeu a dedicatória, valeu o tempo pra montar tudo aquilo.


Mas não sei se vou conseguir. Não sei se consigo deixar de espectadora, passar a viver aventuras. É uma vida inteira calculando consequências, optando por menos impactos e certezas absolutas.


Entretanto, algumas coisas já incorporei antes mesmo de ter acesso ao livro. Saio agora da zona de conforto e do meu grupo, tudo de uma única vez. Sei que deveria ser aos poucos, mas não desta vez.


Obrigada pelo presente, pela confiança e pela tentativa de me fazer ser melhor.


E, por último, saiba que eu nunca teria me perdoado se não tivesse pedido a tal dedicatória que veio de cabeça para baixo. Afinal de contas, tudo é uma questão de perspectiva.




"Talvez só uma pessoa-primavera seja capaz de identificar outra."